segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sessão de Hemodiálise 410

Diversos fatores podem causar a Insuficiência Renal Crônica (IRC), levando uma pessoa a iniciar o tratamento de hemodiálise como terapia substitutiva do papel dos rins no corpo humano, que é o de filtrar o sangue. As causas mais comuns são hipertensão arterial, diabetes, infecções renais, nefrites e glomerulonefrites.

Mas, nem sempre as pessoas perdem seus rins por doença.

É o caso, por exemplo, de Marluce, que dialisa comigo. Numa conversa com os colegas do mesmo box, ela nos revelou o que a fez perder seus rins: foi espancada violentamente pelo marido alcoólatra. Sempre que chegava bêbado em casa ele batia nela até deixá-la caída no chão. Numa dessas vezes, ele chegou em casa ainda com mais gana, louco para “brigar”, perguntando “Marluce, cadê você?”, e ela, aterrorizada, correu para o quarto. Ele foi atrás dela e já foi logo lhe dando um soco no estômago, que a derrubou no chão. Então, ele a esmurrou no rosto e a chutou até que se desse por satisfeito. “Cansou e foi dormir”, contou-nos ela. Marluce, toda arrebentada, foi socorrida no chão pelos filhos, que não se intrometeram na “briga” dos dois com medo do pai. Por sorte, ela conseguiu sair viva da surra, mas perdeu os rins pela selvageria desse espancamento e hoje está fazendo hemodiálise.

C., uma garota com quem trabalhei, contou-me que teve falência renal súbita porque tomou quatro comprimidos de ecstasy de uma só vez. Passou mal na balada, foi parar na UTI e não teve jeito: perdeu ambos os rins e entrou pra hemodiálise.

A minha história é outro exemplo. Nasci com os rins perfeitos, mas com um defeito congênito no esfíncter da bexiga. Portanto, eu não urinava como os bebês normais, muito menos com a mesma frequência: apenas quando fazia cocô é que a urina saía também, devido ao esforço da defecação. Minha mãe notou isso tarde demais. Tornei-me renal crônico devido ao chamado refluxo: minha bexiga enchia até não poder mais e a urina acabava voltando para os rins, pressionando-os. Aos dois anos de vida, perdi o primeiro rim e fiz uma nefrectomia. O outro também já estava muito prejudicado e os médicos tentaram conservá-lo o máximo possível, através de inúmeras cirurgias na bexiga, cateterismo intermitente e outra sonda nas costas. Assim, eu tinha de passar uma sonda pela uretra várias vezes ao dia para eliminar a urina, para não ficar à mercê de infecções, apesar de haver risco de infecção com o próprio cateterismo. Eu não sentia minha bexiga encher, nunca tinha vontade de ir ao banheiro, e muitas vezes fazia xixi nas calças, o que é constrangedor, ainda mais quando se está na escola, cercado por crianças que às vezes podem ser bem cruéis – felizmente, eu nunca me deixava levar pelos comentários maldosos. Sempre tive muitos amigos e isso me mantinha são mentalmente.

O rim que restou, muito danificado, durou apenas até os 12 anos de idade, quando comecei a usar uma sonda nas costas, porque o funcionamento dele já estava muito precário. A sonda funcionava assim: foi feito um buraco nas minhas costas ligando uma bolsa para coleta de urina ao rim. Todo mês, para não causar uma infecção na região do buraco por onde a sonda entrava no organismo, era necessário trocá-la, e ela era presa à pele por uma sutura – eu levava um ponto nas costas a frio, pois anestesiar o local já seria uma picada, então, dava praticamente no mesmo. Nessa época, o cateterismo foi crucial para eliminar o resíduo que passava para a bexiga, para me deixar livre de infecções. Passar a sonda pelo pênis era uma tortura, mas eu tinha de fazer, pois, a cada infecção urinária, as bactérias iam se tornando cada vez mais resistentes aos antibióticos que me davam. Fiquei 3 anos com a sonda nas costas, eliminando a urina por bolsas portáteis, que carregava no bolso. Então, fiz a outra nefrectomia, pois o rim restante estava funcionando com 10% da capacidade e começava a colocar em risco minha vida, e comecei a fazer hemodiálise, como preparação para o transplante renal. Fiz meu primeiro transplante 5 meses depois, em dezembro de 1995.

O irônico é que fiquei “curado” da bexiga, aprendendo a esvaziá-la através de técnicas de massagem que me foram ensinadas, e outras que descobri sozinho. Mas tornei-me portador de IRC.

2 comentários:

  1. Caramba, cada história!
    Que atitude bestial do marido da Marluce.
    Fiquei surpresa com a história do ecstasy... taí um efeito colateral que eu não conhecia. E os jovens usam tanto e tão inconsequentemente.Uma pena. :/

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  2. Oi, Gui!
    Soube do seu blog hj.
    Acabei de ler todos os seus posts.
    Perdemos contato desde os tempos de UAM, mas agora estamos de volta!
    Como outro amigo comentou, Força vc tem de monte, para dar e vender a todos que admiram seu blog. Espero que a Sorte de encontrar o doador compatível e ideal venha o quanto antes!
    Vc é um vitorioso e, em breve, quando menos esperar, vai receber seu troféu, que é se livrar da hemodiálise.
    Beijos!

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