terça-feira, 4 de maio de 2010

Sessão de Hemodiálise 399

Antes, mais um esclarecimento: a hd, além de machucar, destruir e matar, é um tratamento que exige muito do corpo. Portanto, é essencial que o paciente, ao chegar em casa, depois do tratamento, alimente-se e descanse. Então, sempre escreverei aqui depois de descansar, à noite ou de madrugada. Se eu não dormir após a sessão, tenho convulsões.

Eu faço diálise às terças, quintas e sábados das 10:30 às 15hs, e isso porque moro a 10 minutos da minha clínica. Para chegar ao centro do sofrimento é fácil; sair dele, é demorado, penoso, às vezes impossível.

Terça-feira é o dia que mais chego intoxicado, pois meu corpo ficou dois dias sem diálise, diferente das sessões de quinta e sábado, que têm intervalo de um dia. Então, você acaba desejando que a primeira diálise da semana chegue logo - é uma ironia desejar parar de sofrer com o sofrimento. A intoxicação dá um terrível mal-estar: o corpo todo fica pesado, parece que seu peso dobrou; a pele formiga, a vista fica embaçada, dá falta de ar, ânsia de vômito, uma lerdeza geral que impede de fazer qualquer coisa.

Passei muito mal nos dois últimos dias, anteriores à diálise de hoje, com todos esses sinais de intoxicação. Nesses casos, eu tomo bicarbonato de sódio para atenuar os sintomas, mas o mal-estar geral perdura até que eu seja duplamente furado pelas agulhas enormes e o tratamento inicie. Aí, vem o sofrimento do tratamento em si.

Um braço fica preso às agulhas, mas isso não me impede de trabalhar durante a sessão. Como revisor de texto, posso levar meu trabalho para a sessão e fazê-lo ou no papel ou no laptop. Hoje, fiz as duas coisas. E fiquei com uma tremenda dor de cabeça, do tipo pontada nas têmporas. O trabalho até que rende na diálise, mas isso sempre me traz problemas quando me forço demais (não tem jeito, eu lido com prazos); às vezes dá dor de cabeça, às vezes hipotensão, às vezes convulsão.

Por falar em convulsão, enquanto trabalhava no computador, duas enfermeiras que estavam sentadas próximas a mim começaram a comentar sobre uma séria convulsão que tive há um ano e meio. E me revelaram fatos perturbadores que eu não tinha conhecimento até então, como, por exemplo, que eu havia "parado". Eu não sabia que, além de ter perdido a consciência, ficar me debatendo com as duas agulhas enormes balançando no braço e expelir uma quantidade assustadora de sangue pela boca e pelo nariz - a ponto da enfermeira comentar que nunca havia visto tanto sangue -, meu coração havia parado por muito tempo! Mas o médico da clínica era muito bom, calejado em atendimentos de emergência, me entubou, fez massagem cardíaca e salvou minha vida. Isso aconteceu no finalzinho da sessão, faltando uns 5 minutos, e eu só me lembro de estar no final da diálise e depois acordar entubado na UTI, com uma sonda na uretra, uma agulha no braço, e a voz de um homem dizendo que eu havia tido uma convulsão e que estava no hospital. Com certeza não era Deus, porque aquilo era um inferno. Depois que tive alta e voltei à clínica, as enfermeiras comentaram que os pacientes do meu box (na hd, cada enfermeiro é responsável por cuidar de uma área, denominada "box", com aproximadamente 4 pacientes) passaram muito mal ao me ver daquele jeito. Portanto, além de ter morrido, eu poderia ter matado dois.

Mas, no final, acabei ficando bem, exceto pelas crises convulsivas que passei a ter desde então. Depois daquela, tive outras três mais sérias, duas das quais me levaram ao hospital. Tive sorte, pois, com o coração parado, o sangue poderia não ser bombeado para o cérebro e eu poderia ter ficado com alguma sequela bastante séria, como ocorreu recentemente com uma ex-vizinha minha de box, a Graça: ela teve três paradas cardíacas e também "parou", por tanto tempo que ficou sem oxigênio no cérebro - ficou paraplégica, falando torto, incomunicável. Cortesia da hemodiálise.

Na sessão de hoje, a enfermeira chegou com dois termômetros: um branco e outro rosa, coisa que nunca havia acontecido. Aí, ela entregou o branco para mim e o rosa para o meu atual vizinho de box, o Seu José Antônio. Ao vê-la entregar o termômetro diferente a ele, eu pedi, brincando, "Ahhh, eu quero o rosa", e ela, entrando na minha brincadeira, trocou os termômetros com a maior naturalidade. Engraçada foi a naturalidade com que ela fez isso! Não disse nada, não fez cara feia, não riu; só agiu normalmente.

Eu tirei uma foto do Seu José Antônio.
É desse modo que ele fica em todas as sessões:

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