sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 494



Último dia de 2010, tempo de olhar para trás e fazer o balanço do ano que passou.

Aguardem...

sábado, 25 de dezembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 491



Um conto (atual e verdadeiro) de Natal

Não sou nenhum Charles Dickens, mas tenho uma história para contar impregnada do espírito natalino, com uma boa ação recompensada, uma grande coincidência que mais parece um “sinal dos céus”, um final feliz e um fundo moral edificante.

Foi assim:

Alguns dias atrás, eu e minha namorada pegamos um táxi naquele comecinho de noite para ir ao shopping ver um filme, nosso programa predileto. Cinema é nosso oásis. Quando estávamos saindo do carro, ela notou uma carteira no banco traseiro e, sabendo obviamente que não era nossa e nem poderia ser do motorista, devendo ser, portanto, do passageiro anterior, apanhou-a e me entregou, para encontrarmos uma solução. Era uma carteira de documentos, com compartimentos apenas para cartões. Apressamo-nos em abri-la para descobrir a identidade do infeliz proprietário, àquela altura já desesperado com a perda. Bastou uma rápida verificação para revelar cartões de crédito gold, vários; cartões de seguro saúde e de veículo; um American Express; carteira de motorista e uma folha de cheque em branco, abandonada, dando sopa. Ficamos imaginando a sorte dele por aquilo tudo ter parado em nossas mãos, e não nas de pessoas do mal. Afinal, o conteúdo perdido era suficiente para causar um aborrecimento, mas, em nosso poder, felizmente, não um prejuízo. Nem ficamos matutando inúmeras formas de devolver a carteira ao dono, a resposta era simples: procurar no Google pelo nome dele. Antes disso, conforme havíamos combinado, assistiríamos A rede social, filme que conta a história da criação do Facebook. Eu já conhecia o site por convites de amigos, mas nunca me interessara por ele, pois, para quem não se liga muito nesse tipo de coisa, um Orkut já está de bom tamanho. Pra que ficar colecionando perfis em redes sociais? Mas, naquela noite, depois de assistir ao filme do Facebook no cinema, coincidência das coincidências, fui forçado a entrar no Facebook pela carteira órfã que guardara no bolso do meu casaco durante toda a sessão: ao chegar em casa e digitar no Google o nome completo de seu dono (entre aspas, para uma busca exata), o único resultado exibido foi... o do perfil do dono dela no Facebook! Fazendo parte daquela mínima porcentagem de pessoas que não tenta encostar o queixo no cotovelo depois de ler o spam que diz não ser possível encostar o queixo no cotovelo, acabei entrando no Facebook não pela onda, nem por assistir ao filme do Facebook, mas para avisar o mais rápido possível o rapaz – pela carteira de motorista constatei que era um pouco mais novo que eu – que sua carteira estava comigo, para não lhe dar tempo de cancelar os cartões e depois ter de esperar pela emissão de novos. Era um meio garantido de entrarmos em contato, mas não o mais eficaz de lhe dizer que sua carteira estava a salvo, pois não recebi um retorno naquela mesma noite, apesar de ter passado meu e-mail no convite do Facebook. Então, no dia seguinte, durante a sessão de diálise, liguei para o corretor do seguro do automóvel dele, no número que constava no cartão (que era de outra cidade, ainda por cima, o que significava que ele já estaria imaginando que teria o maior trabalho em se deslocar até lá, para renovar a carteira de motorista e tudo mais), e expliquei-lhe a situação. Algum tempo depois, o dono – bastante educado e simpático – me ligou e sua voz já expressava a gratidão por alguém se empenhar em entrar em contato com ele por causa de seus cartões. Expliquei-lhe que só poderia entregar-lhe os documentos mais tarde, pois naquele momento estava impossibilitado devido à hemodiálise. Combinamos de nos encontrar naquele mesmo dia.

Mais tarde, depois de chegar em casa, almoçar e descansar um pouco, liguei para ele e passei meu endereço. Na noite anterior, conforme me explicou depois, estava atrasado para uma reunião no prédio de uma grande empresa distante de onde moro apenas uns dois quarteirões, e saiu do táxi a toda pressa, deixando a carteira de documentos para trás, como logo se deu conta. Tarde demais, entretanto, para perseguir o táxi que já sumira de vista, misturado ao tráfego intenso da hora do rush, e que me apanharia mais adiante.

Quando o interfone tocou e desci até o portão do meu prédio, avistei o rapaz de estatura mediana, bem vestido num traje social, com ar de alívio e uma cesta de Natal gigantesca nas mãos. Ainda pelo portão fechado, já fui logo entregando a carteira pela grade, achando que ele estava com pressa de voltar para o trabalho. Então, cumprimentamo-nos, e ele agradeceu muito o meu gesto, dizendo que qualquer outro em meu lugar nem se daria ao trabalho de fazer o que fiz. Expliquei-lhe que acabara adicionando-o no Facebook e ele disse que só chegou a cancelar um cartão, mas que nem era isso que o preocupava, a maior dor de cabeça seria mesmo a licença de motorista. No final, a surpresa: aquela fina e pesadíssima cesta de Natal, recheada de itens deliciosos, era para mim! Envergonhado e sem jeito, recusei-a enfaticamente, dizendo que não precisava mesmo, mas o amável rapaz insistiu pra valer e não tive remédio senão aceitar o apetitoso presente. De um acaso, ganhei um novo amigo.

A ele e a todos que acompanham este blog desejo um Feliz Natal e que 2011 nos chegue tão farto de coisas boas como a cesta que estou curtindo agora com minha namorada!

domingo, 12 de dezembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 485

Peço desculpas aos que acompanham este blog pelo sumiço involuntário.

Antes de relatar como perdi meu segundo transplante, há algumas postagens que gostaria de publicar, para não ficarem deslocadas. Entre as quais, a conversa que tive pelo MSN, há pouco mais de um mês (alguns dias antes de eu colocar o post anterior), com uma garota muito inteligente e cheia de personalidade que conheci pelo Orkut, tempos atrás, numa comunidade de pacientes renais. Na hora, achei nosso diálogo tão objetivo e esclarecedor (até parece que foi inventado, de tão “redondo”), que resolvi salvá-lo para posteriormente editá-lo – coisa mínima, apenas o suficiente para resguardar a identidade da minha amiga, o nome de algumas instituições, esse tipo de coisa – e pedir a permissão dela para reproduzi-lo aqui, pois creio que esta seja uma maneira interessante, por ser bem realista e dinâmica, de expor um pouco de nossas rotinas e experiências como renais crônicos, reflexões e algumas informações úteis.

Renata diz:
Guilherme?

Gui diz:
olá

Renata diz:
Oi, não sei se vc se lembra de mim. Nos conhecemos virtualmente quando eu fazia diálise.

Gui diz:
eu lembro sim

Renata diz:
transplantei e estou muito feliz, mas continuo lendo regularmente seu blog e divulgando o mais que posso

Gui diz:
eu era transplantado naquela época

Renata diz:
queria desejar muita força e dizer que aprecio muito sua coragem.
E dizer também que você escreve muito bem.
Sou editora de uma revista agora, e espero poder passar uns freelas pra vc assim que possível. Você está precisando?

Gui diz:
legal! valeu por ler e divulgar!
obrigado, vc sabe muito bem o que é fazer hemodiálise...

Renata diz:
Pois é

Gui diz:
obrigado, mais uma vez!
legal! estou precisando sim!

Renata diz:
E como anda? As sessões de 4 horas te deixam melhor? A PA baixou, as toxinas tbm?

Gui diz:
eu trabalho com editoras, na maioria das vezes....
por enquanto estou saindo da diálise do mesmo jeito...
ainda não sei das toxinas, só quando fizer o exame de rotina....lá pelo dia 20

Renata diz:
Espero que esteja melhor

Gui diz:
a PA anda alta.... por uma série de problemas....familiares

Renata diz:
Família é uma coisa complicada... Eu sempre tive muitos problemas, porém tive a sorte de ter muita ajuda durante a pior fase

Gui diz:
eu vou contar no blog o que acontece
a pior parte não chega nem ser a doença
vc transplantou há qto tempo?

Renata diz:
2 anos e pouquinho

Gui diz:
já tinha transplantado antes?

Renata diz:
não, foi a primeira vez
e espero que a última

Gui diz:
vai ser, com certeza
a 1a vez q transplantei tinha 15 anos

Renata diz:
e o blog tem lhe feito bem? Sente-se mais leve?

Gui diz:
não conhecia direito a importância da medicação do transplante....achava que estava curado e me deixaram tomando remédio sozinho.....

Renata diz:
Complexo. Pulou muitas medicações?

Gui diz:
me fez muito bem desabafar....

Renata diz:
e é de utilidade pública

Gui diz:
o blog é um pouco cruel com quem não pode transplantar....mas não vou deixar de contar o lado ruim da hd só por causa disso...quero incentivar a doação de órgãos e mostrar que não é um tratamento fácil....
é mais conveniente para quem NÃO FAZ hemodiálise pensar q é um tratamento fácil...

Renata diz:
sim, é justo. Ninguém fala cruamente o que as coisas são. A gente acaba "descobrindo" na prática

Gui diz:
uma das coisas q me fizeram escrever esse blog foi minha irmã mais velha dizer para mim, quando eu tava perdendo o meu transplante, que uma amiga dela disse que faz hemodiálise e é supertranquilo...

Renata diz:
ahã, super

Gui diz:
um prenúncio de que, se dependesse dela, eu não faria transplante pq ela não doaria para mim...

Renata diz:
mas nunca rolou esse papo na sua família? Quem te deu o primeiro rim?

Gui diz:
minha mãe, depois meu pai

Renata diz:
foram 2 já?

Gui diz:
sim...

Renata diz:
puts
quem me deu o meu foi minha madrinha
minha mãe doou pro meu pai

Gui diz:
no segundo, tive uma rejeição no começo....depois fizeram uma biópsia que me deu hemorragia
durou 8 anos

Renata diz:
puts. Onde vc transplantou?

Gui diz:
na XXXX

Renata diz:
lá é bom?

Gui diz:
teoricamente, sim
mas fizeram muita cagada comigo

Renata diz:
o que dá mais raiva

Gui diz:
uma fístula enorme no meio do meu braço para fazer 1 sessão de hemodiálise
uma!
antes do segundo transplante

Renata diz:
que merda. Porque não fizeram aquele cateter?

Gui diz:
sei lá...

Renata diz:
que absurdo
meu deus
e mudou de hospital agora?

Gui diz:
mudei de hospital faz tempo, lá pra 2003, pro XXXX

Renata diz:
eu também vou lá

Gui diz:
e mudei de novo, em 2009

Renata diz:
para onde?

Gui diz:
fui pro XXXX

Renata diz:
eu nasci lá
é bom?

Gui diz:
pq o XXXX não se interessa por terceiros transplantes....
iam me deixar cozinhando lá

Renata diz:
nossa, como assim?

Gui diz:
eles têm uma meta a cumprir....não pegam casos complicados....
mas não falam isso para os pacientes, claro

Renata diz:
meu deus, que absurdo

Gui diz:
eu tive de descobrir sozinho...
como eu já fiz 2 transplantes e inúmeras transfusões, meu organismo está sensível...então eu teria de fazer uma dessensibilização, um tratamento que dá uma "limpada" no organismo e tira alguns desses anticorpos, melhorando a compatibilidade....

Renata diz:
Bacana, e no que consiste esse tratamento?

Gui diz:
mas, aqui no Brasil, acho que só uma pessoa faz a dessensibilização, q é a médica do HC/Samaritano, pioneira aqui nesse tratamento, uma verdadeira heroína

Renata diz:
excelente, você está no lugar certo então!
É muito caro? vc teria que pagar?

Gui diz:
tem dois tipos, dependendo de quando o paciente irá transplantar...
basicamente, administra-se algumas vezes uma droga intravenosa....
dependendo do tipo de tratamento, o SUS cobre....

Renata diz:
Impressionante como nós sempre precisamos do que o SUS não cobre

Gui diz:
acho que depende da disponibilidade da medicação, da demanda....

Renata diz:
qual é a medicação?
Aliás, você tem algum possível doador já?

Gui diz:
imunoglobulina

Renata diz:
já ouvi falar

Gui diz:
minhas irmãs fizeram o teste inicial, mas não com a intenção de me doar... essa é uma história para um post!
é uma história que só ficará bem esclarecida no blog....

Renata diz:
sim, esperarei para lê-la

Gui diz:
é a pior parte....pra mim, a mais chocante....
um dramalhão mexicano, como eu escrevi

Renata diz:
acredito, eu também me decepcionei com muita gente na hora do vamos ver

Gui diz:
eu também, com algumas pessoas....
minha tia se diz espiritualizada e disse que não pensaria duas vezes se eu precisasse de um transplante....depois me disse que eu era egoísta etc etc.

Renata diz:
ahuhauahauha as pessoas são no geral um lixo
rs
desculpa mas só dá pra rir
quem mais é espiritualizado é quem menos faz na hora H

Gui diz:
minha mãe falou que eu joguei meus rins fora pq eu quis, inclusive os meus originais....sendo que o primeiro eu perdi com cerca de 2 anos de idade.....

Renata diz:
aff

Gui diz:
perdi meu primeiro transplante por causa da “desatenção” dela....q me deixou pra tomar os remédios do transplante morando sozinho com meus avós senis....
fala sério

Renata diz:
taão novo, realmente é difícil. Eu tenho problemas com a responsabilidade imensa as vezes

Gui diz:
bom, seja qual for o problema, nunca deixe de tomar os remédios no horário....vc não vai querer voltar para a diálise....qdo o rim começa a degenerar não tem mais volta!

Renata diz:
mas realmente essa é a dica mais importante?

Gui diz:
vc tb pode dizer a si mesma mentalmente que o rim está incorporado a vc.....
elaborar uma frase e repeti-la mentalmente....

Renata diz:
eu me sinto assim

Gui diz:
faça o seu corpo saber, induza-o

Renata diz:
ferei-o
ops farei-o

Gui diz:
todo dia, sempre q puder....é só pensar....elaborar uma frase e pensá-la, repeti-la

Renata diz:
bacana isso
tenho sido irresponsável com o remédio as vezes

Gui diz:
xiii....
tá vacilando

Renata diz:
mas falar com vc e ler o blog me dão um choque de responsabilidade

Gui diz:
VACILONA!
desculpa dizer, mas
VACILONA!

Renata diz:
eu sei
é importante dizer

Gui diz:
quanto tá sua creatinina?

Renata diz:
1,27
de ontem

Renata diz:
aliás, no meu exame veio alteração, bem leve, de cálcio iônico

Gui diz:
tá muito boa!

Renata diz:
sim. Tô be,m feliz
mas me diga, vc teve problemas com cálcio iônico?

Gui diz:
tenho problemas com cálcio
me causou convulsões
qto tá o seu?
como vc faz pra tomar remédio?

Renata diz:
1,42

Gui diz:
usa despertador, essas coisas....
seu cálcio tá dentro dos limites, naum
?
?
o meu último tava 1,09

Renata diz:
na verdade tomo quando chego no trabalho e depois as 20, 21 da noite

Gui diz:
chegou a 0,89

Renata diz:
tá 0,02 acima do limite

Gui diz:
os médicos falaram alguma coisa sobre isso?

Renata diz:
nada
foi hoje
quando é a próxima postagem
?

Gui diz:
vou postar hoje
mais à noite
talvez esse negócio de como perdi o 1o transplante

Renata diz:
seria muito legal