quinta-feira, 15 de julho de 2010

Sessão de Hemodiálise 428

Como já comentei, até o meu primeiro transplante eu não conseguia esvaziar minha bexiga completamente, por causa de um defeito congênito que resultou em disfunção vesico-esfincteriana (posts Sessão de Hemodiálise 410 e Sessão de Hemodiálise 415), e isso me causava repetidas infecções.

Quando os médicos quiseram introduzir na minha vida o cateterismo intermitente – coisa que não desejo a ser humano algum –, poucos anos depois de eu me dar conta de que tinha uma doença crônica, tive uma péssima visão do meu futuro. Ouvi dizer que existe uma técnica de tortura que consiste em introduzir um arame em brasa pela uretra. Bem, não chegava a isso, mas... quase. Aquilo, todos os dias, num intervalo de seis horas, já seria duro para um adulto; para uma criança, era uma monstruosidade.

A primeira vez em que tive de fazer cateterismo sozinho chegou num dia normal, como qualquer outro, meus amigos jogavam bola. O doutor já havia comentado que eu deveria começar a passar a sonda em mim mesmo, em casa, para tentar evitar ou reduzir os episódios de infecção. E colocou as coisas exatamente assim: naquele fatídico dia, no hospital, eu deveria me introduzir ao cateterismo. Ele me entregou uma sonda uretral embalada e um tubo de xilocaína – anestésico em forma de gel, que, na minha opinião, faz pouca ou nenhuma diferença (afinal, quando a sonda entra pela uretra apertada, o anestésico fica para trás, acumulado na entrada do canal) – e me levou até o banheiro, deixando bem claro que, apesar de ele estar me acompanhando, eu deveria ser meu próprio carrasco. O médico me instruiu:

1) Abra a embalagem da sonda só um pouquinho, para não deixá-la exposta, mas o suficiente para não voltar a tocar a embalagem depois que tiver lavado as mãos. Deixe também o tubo de xilocaína aberto, pelo mesmo motivo.

2) Lave as mãos e deixe-as secar sozinhas, não as enxugue com papel ou toalha.

3) Qual é a mão que você usa? [“A direita”, respondi.] Então, com a mão direita, retire a sonda da embalagem com cuidado, e, com a outra mão, aplique um pouco de xilocaína na ponta da sonda que vai entrar pela uretra. Verifique se a outra ponta da sonda está com a tampa fechada.

4) Enfie devagarzinho a sonda pelo canal da uretra, para não machucar o canal [Aham.] até a bexiga. Quando você sentir o cateter chegar na bexiga, abra a tampinha e deixe a urina cair no vaso sanitário.

5) Depois que você notar que parou de pingar, feche a tampinha e retire a sonda. Pronto! [Pronto. Que fácil.]

Senti-me um herói naquele momento. Um herói que chorava enquanto passava a sonda. Um herói derrotado pela limitação do próprio corpo. Uma vez, na escola, durante o recreio, fui ao banheiro passar a sonda. Pensei nos meus amigos lá fora, despreocupados, curtindo a infância, espirrando refrigerante uns nos outros, jogando queimada, paquerando as menininhas pré-adolescentes, ouvi os sons de gritos e risadas da galera brincando e se divertindo. Nenhum deles poderia fazer ideia do drama que se desenrolava por trás daquela porta de banheiro trancada...

Eu não iria aceitar aquilo – viver daquele jeito não era viver.

Tinha a seguinte teoria em mente: quanto mais eu passasse a sonda, mais “preguiçosa” a minha bexiga se tornaria, e menos capaz de esvaziá-la sozinho eu seria.

E tinha mesmo razão, pois, ao menos esse obstáculo eu consegui vencer. Com o tempo, entendi a minha bexiga e passei a esvaziá-la completamente, ou pelo menos o suficiente para o resultado da uretrocistografia retrógrada e miccional acusar “resíduo desprezível”.



3 comentários:

  1. Shepa, meu querido... já faz um tempo que estou acompanhando seu blog e indicando para vários conhecidos meus. Parabéns pela força e determinação na sua luta diária...

    Muitos beijos, Lu (UAM)

    P.S.: acho que te localizei na foto... vc é o segundo que está sentado na frente, da esquerda para direita?

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  2. legal te ver jovenzinho... qual o motivo dessas mãozinhas? :)
    putz, tem um moleque fazendo uma cara muito sinistra em pé atrás de vc, né? hahahaha!
    tô aqui acompanhando tudo, tentando passar esse blog para frente... estamos juntos.
    te ligo ainda hoje! beijos!

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