segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 449

Continuando a série de entrevistas com a equipe de enfermagem da minha clínica, reproduzo a seguir uma conversa que tive com um dos enfermeiros. Ele me revelou um dado importante que eu desconhecia a respeito da hd.

Eu lhe explicava sobre o objetivo do blog:

– (...) é incentivar a doação de órgãos, então, se alguma pessoa tem dúvida em doar em vida para algum parente ou amigo, ou permitir a doação dos órgãos de um ente querido falecido, eu escrevo o lado da hemodiálise que eles não conhecem, o lado perigoso, pois muitas delas acham apenas que o paciente vem aqui e fica lendo uma revista, um livro; ou sentado, relaxando; dormindo, jogando palavras-cruzadas e tal, mas não têm conhecimento, por exemplo, do risco para o coração...

Siiiim! – interrompeu-me o enfermeiro, tão categoricamente que chegou a fazer uma careta, confirmando com ênfase, de tão óbvio que era para ele.

Antes que eu prosseguisse, ele me cortou novamente e falou:

– No seu blog você por acaso já comentou que a hemodiálise é o segundo tratamento em termos de risco iminente de vida, perdendo apenas para invasão cardíaca? Você sabia disso?

– Invasão cardíaca? – perguntei-lhe. Desconhecia o termo (desconhecia, sobretudo, esse dado chocante sobre a hemodiálise). Ele me esclareceu:

– Cateterismo, procedimentos ligados ao coração, que são de altíssimo risco.

– Ah... porque mexem diretamente com o coração...

Isso. Então, na lista dos procedimentos mais perigosos, extracorpóreos, a hemodiálise ocupa o segundo lugar, perdendo apenas para invasão cardíaca. Muitas vezes, as pessoas desconhecem esse fato. É a sua vida que tá aqui – ele apontou para a máquina.

– Eu sei – concordei, observando o sangue fluir pelos tubos, ciente da situação delicada em que me encontrava.

– Para realizar esse tratamento, tem que ter uma segurança... – continuou.

– O risco de contaminação é muito alto, né? Qualquer coisa que entra pelo sangue, já era...

Exatamente. Quer dizer, por mais simples que pareça... – ele se interrompeu. – Às vezes você pega um equipamento, todo bonito, cheio de botão, cheio de coisas, de pi-pi pó-pó, e fala... nossa! – falou, afetando deslumbramento, dando à frase seguinte um tom de depreciação. – É a coisa mais boba que existe...

– No fundo, então, depende principalmente do fator humano, da habilidade, da experiência do profissional envolvido – apesar do fato de eu continuar na hemodiálise, correndo os riscos inerentes (e inevitáveis) ao tratamento em todas as sessões, senti-me consolado quanto a essa parte do fator humano, pois, pelo menos, tenho a sorte de ter sido locado pelo SUS numa clínica excelente, modelo de humanização, tanto no atendimento quanto em relação às normas da vigilância sanitária.

É isso mesmo – o enfermeiro confirmou minha conclusão.

Conversamos um pouco mais, e eu lhe agradeci pelo papo franco que tivemos, pela informação enriquecedora – e alarmante, infelizmente. Mas, como diz o ditado, “a verdade é melhor sempre”, mesmo que doa.

E o que me magoa mais do que minha condição e todo drama e risco vivido dia a dia na hemodiálise, que venho relatando aqui neste blog, é o fato de não ter uma família que me apoie; que, mais do que indiferente, faz pouco do meu sofrimento e debocha de mim, do que escrevo aqui. Minha irmã mais velha passou a me chamar de “Sr. Coitadinho”, disse que diálise é “tranquila” (será pelo fato de não ser ela a receber as agulhadas e passar por tudo que passo?); quando pedi ajuda financeira à minha mãe para acabar de pagar minha pós-graduação, pois estava sem condições e não receberia o certificado de conclusão caso não quitasse a dívida, essa irmã escreveu para mim me chamando de “filho da puta” em caixa alta (até aí, não foi novidade, já que sempre falou aos berros comigo e com esse teor), dizendo que eu "não sei passar perrengue”. Nem preciso dizer que ela jamais teve a real intenção de me doar um rim para me salvar. O irônico é que tanto ela como a minha outra irmã reciclam lixo e outras hipocrisias para cultivar uma imagem, mas são capazes de agir assim com um irmão que sofre e pode morrer de uma hora para outra.

5 comentários:

  1. Essa mulher é um monstro. Na verdade, ela é um lixo que não dá nem para reciclar.

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  2. ÀS VEZES O MAIS DIFÍCIL NÃO É ENFRENTAR O DIA-A-DIA DO TRATAMENTO E SIM AS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS QUE ELE TRAZ; COMO POR EXEMPLO OS PROBLEMAS FAMILIARES, A DIFICULDADE FINANCEIRA, ETC. SINTA-SE SEMPRE COM ESPERANÇA E CONFIE NO SEU TRATAMENTO.

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  3. Em cerca de 8 anos trabalhando com pacientes renais cronicos o que mais vi foi descaso familiar, pois a familia encherga somente a pessoa que chega em casa e consegue teoricamente ser independente não vendo o quanto o tratamento debilita e deixa frágil quem necessita dele. no inicio todos querem saber o que aconteceu e depois de algum tempo desaparecem deixando o doente a merce de sua sorte

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  4. Você pelo menos teve a sorte de fazer o seu tratamento em uma clínica cujos profissionais são humanizados. Minha mãe faz em um hospital e pode-se contar nos dedos os profissionais preparados. Eles são insensíveis, desumanos, sádicos e o mais grave de tudo: não sabem lidar com as manias dos idosos. Estou revoltada com todo esse sistema capitalista, sim, porque os donos das máquinas só pensam no lucro advindo so sofrimento alheio, não se preocupam em melhorar o material humano. Quanto a sua irmã, ela é desequilibrada, com todo o respeito. Abraços e força!

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  5. Guilherme, eu sei oque é passar por tudo isso e não ter quem te apoie. Tenho 3 irmãs, mais velhas, e fiquei durante esses dois anos que faço hemodiálise, sendo visto como "o dramático", nenhuma delas, em nenhum momento cogitou se quer fazer o exame de compatibilidade. Meus pais fizeram e por sorte ou não, os dois são compativeis comigo. Meu pai até começou a fazer os primeiros exames, mais se esbarrou na burocracia e desistiu. (ele não me registrou, então perante a justiça e a sociedade, não tenho pai, ele não é da minha familia, logo não pode ser meu doador. E se você se perguntar, por que ele não me registrou quando ficou sabendo que ele podia doar, vou te responder: -Eu também não sei!Ele chegou a ir ao cartório.
    E de quatro meses pra cá minha mãe resolveu, e agora daqui a 11 dias ele vai doar pra mim. Mais durante todo esse tempo, a pessoa que me deu mais apoio foi minha namorada, que desde os primeiros sintomas foi quem me acompanhou em todas as consultas, no dia da internação pro catéter foi ela quem estava lá,e foi ela quem não me deixou desistir desse tratamento doloroso.

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