Furar num lugar novo com uma agulha desse calibre, que mais parece um canhão, é aterrorizante. Foi assim também quando voltei à hemodiálise e recomecei a usar a fístula, que ficou sem uso enquanto estive transplantado (eu a tenho há 11 anos, ver post 400). Ainda internado no hospital, porque havia perdido o rim do meu segundo transplante, ficava com muito medo de ir para a sessão, como se, a caminho da ala onde o tratamento era realizado, na verdade eu estivesse enfrentando o corredor da morte. Um pavor não apenas por não saber o que esperar da sessão, mas, principalmente, pela dor certa que me aguardava: duas agulhadas daquelas na pele virgem. Pois, quando há cicatriz sobre cicatriz na pele, de tanto que já foi perfurada e sofreu regeneração, forma-se uma espécie de couraça – caso do meu braço –, e a dor ali não é tão intensa como quando se fura num ponto pela primeira vez.
Então, lá foi a enfermeira buscar um novo ângulo para meter aquelas “lanças” no meu braço, o pânico conseguindo tornar as coisas ainda piores do que já são, evocando impressões desagradáveis antes mesmo de sentir qualquer desconforto ou dor. Naquele momento, pedi a ela um instante para me preparar psicologicamente. O que eu queria mesmo com aquela conversa era adiar o meu sofrimento, mesmo que por 2 ou 3 segundos. Afinal, escapar seria impossível. Ou não. Eu poderia ter-lhe dito: “Ah... fura no mesmo lugar, vai? Dói pra caramba num lugar novo”, mas fiquei quieto, e deixei que ela fizesse seu trabalho. Ela é a enfermeira e eu, o paciente. Então, ela perfurou... uma, duas vezes; duas vezes pés se contorcendo, duas vezes punhos cerrados, duas vezes olhos apertados; a angústia por desejar ter outra vida e não poder – um tipo de sentimento sobre o qual artifícios usados para distrair da dor física não surtem o mínimo efeito, já que ele tudo abarca e permeia, fere e machuca mais do que qualquer agulha poderia.
Nesse dia, não bastasse suportar as perfurações em regiões tenras do braço (“perfuração” não seria bem o termo, pois a agulha de hemodiálise é tão larga que sua extremidade é chanfrada, cortada em ângulo para simular uma ponta, e as laterais dessa abertura rasgam a pele; tanto que, quando ela é retirada, o que fica não é a marca de um furo, e sim, a de um pequeno corte, como uma mini facada), ainda sofri uma infiltração.

