quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sessão de Hemodiálise 423

Pegar catapora (ou varicela) quando se é adulto não é a mesma coisa que pegar quando se é criança; tanto é que antigamente costumavam incentivar crianças saudáveis a brincarem com a que tivesse a doença para pegarem logo a forma mais branda e ficarem imunizadas, prevenindo-se, assim, o contágio na adolescência ou na vida adulta, que costuma ser bastante doloroso e potencialmente mortal. Pois o vírus causador da catapora é o mesmo do Herpes Zoster, doença inflamatória aguda dos gânglios e nervos medulares, acompanhada de intensas dores nevrálgicas onde se situam as ramificações dos troncos de nervos infectados pelo vírus.

No adulto, além de aparecerem mais lesões avermelhadas, transformando o indivíduo num alvo fácil para outros micro-organismos, sobretudo bactérias, que podem ser responsáveis por infecções de pele, otites e sinusites, há risco de complicações mais sérias: o vírus pode migrar para os pulmões, causando pneumonia, ou para o cérebro, com sintomas semelhantes aos da meningite, e deixar sequelas, já que as lesões causam paralisias e distúrbios motores.

Na época em que fui contaminado, eu estava fazendo trabalho voluntário, dando aulas de espanhol para crianças carentes todos os sábados. É bastante provável que eu tenha sido contagiado, por minha condição de renal crônico e imunidade baixa, na própria sala de aula, pela proximidade de tantas crianças em um ambiente fechado, uma vez que o vírus é transmitido pelo ar, por tosse ou espirro, ou pelo contato com a pele infectada. Com um organismo mais suscetível a qualquer tipo de agente infeccioso, cheguei a dar apenas 3 aulas; na quarta semana, eu estava internado no hospital.

A catapora tardia começou com uma lesão na sola do pé, uma semana antes da constatação pelos meus médicos da contaminação pelo vírus. Até aí, não parecia ser nada, apenas uma ferida estranha, que coçava muito, confundível até com uma picada de pernilongo inflamada. Aos poucos, entretanto, lesões semelhantes àquela começaram a surgir em outras áreas do corpo: pernas, barriga, peito, costas, braços, rosto e, em questão de dias, havia pontos vermelhos espalhados por toda a parte. Nesse estágio, a coceira era intensa e já começava a se manifestar um tipo de dor que até então eu desconhecia: regiões aleatórias do meu corpo eram acometidas por pequenos choques – sentir uma dor nova é extremamente assustador, pois você não sabe o que esperar dela, não sabe até onde ela pode ir (e nesse caso foi longe) ou quando vai parar. Quando vi a vermelhidão salpicada pelo meu corpo e senti aquela dor estranha, fui para o pronto-socorro.

Internado, começaram a administrar imediatamente a medicação, Aciclovir, para amenizar os sintomas da varicela, mas, até que surtisse efeito, eu ainda teria de passar pelas reações causadas pela infecção: pontadas agudas diretamente nos transmissores das sensações para o cérebro – um ataque dirigido aos nervos, pelas regiões do meu corpo em que se encontravam as lesões, espocando simultaneamente, sem trégua. Minha namorada, que me acompanhava na internação, testemunhou o massacre, desesperada e impotente: deitado na cama de hospital, eu me contorcia com os espasmos das pontadas e choques violentos; rijo, como se estivesse sendo eletrocutado por dentro. Apesar de já ter sido medicado inúmeras vezes com Lisador (ahaha), eu continuava urrando e esperneando, debatendo-me no pico da contaminação.

Então, naquela madrugada, finalmente resolveram entrar em contato com o médico de plantão, porque a dor era insuportável, e eu já estava implorando à equipe de enfermagem para que me apagassem com alguma droga forte. Algum tempo depois, a enfermeira chegou com uma injeção de morfina sintética (dolantina), para acabar com a dor, mas, mesmo assim, ela não cessou. A última solução foi me aplicarem um sossega-leão – em vez de tentarem diminuir a dor com um analgésico forte, botaram-me logo para dormir com um calmante forte.

Com o passar dos dias, a dor foi diminuindo gradativamente. Apesar de coçarem alucinadamente, as pequenas feridas na pele não podiam ser tocadas, pois, como é sabido, qualquer casquinha de catapora que é removida deixa uma marca côncava na pele. Fiquei com uma dessas pequenas crateras na cabeça, próxima à linha do couro cabeludo, uma lembrança física do penoso episódio.

Considerando tudo, eu até que tive sorte, pois, conversando na última terça-feira sobre esse incidente com a minha médica na hemodiálise, ela me disse que conheceu duas pessoas recém-transplantadas que morreram desse tipo de infecção. Outras, contou-me ela, permaneceram com as dores por meses, mesmo depois de passado o período crítico.


Um comentário:

  1. Salvei tua foto, vou imprimir e levar pra apresentar na igreja. Sei que muitos estão orando por você, por isso e que você tem resistido. Glorifique ao criador pela tua vida, E saiba que ELE e poderoso pra te libertar das correntes da hemodiálise, da magoa dos ressentimentos e tudo que pode atrapalhar tua cura. JESUS TE AMA!!!

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